Mulheres na economia criativa: qual é a contribuição das políticas públicas?

8 min. de leitura 13.09.2024
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Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, a economia criativa é um conjunto de atividades econômicas que rodam em um ambiente de inovação e troca de conhecimento, envolvendo todos os setores da economia. Esse setor é visto como essencial para promover um desenvolvimento mais inclusivo. No entanto, enquanto a teoria fala sobre inclusão, muitos relatórios dos órgãos envolvidos no setor não mostram dados consistentes sobre a real preocupação em incentivar a participação das mulheres na economia criativa.

Além disso, as diversas condições de opressão e desigualdade da mulher denunciam a persistência de uma discrepância no que se refere à criação de políticas públicas voltadas especificamente para mulheres.

Diante da luta pela igualdade de gênero – que se entrelaça com outras questões sociais, como emprego, saúde, política e educação -, surge a necessidade de institucionalizar essas questões para que os governos se comprometam a alcançar resultados significativos e a melhorar a vida das mulheres.

Iniciativas públicas que olham para as mulheres na economia

Algumas iniciativas públicas vêm sendo desenvolvidas considerando a participação das mulheres na economia. Listamos as principais:

ONU Mulheres

Em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a ONU Mulheres, com a missão de estabelecer padrões globais para alcançar a igualdade de gênero e colaborar com governos e a sociedade civil na criação de leis e políticas necessárias para atingir esses padrões. Entre as áreas de atuação, está o empoderamento econômico das mulheres.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Ainda em um contexto global, em 2015, os países signatários da ONU realizaram uma Assembleia Geral e nela foram traçados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A chamada Agenda 2030 propõe a revisão e a atualização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Foram definidos 17 temas humanitários que devem servir como prioridade nas políticas públicas internacionais até 2030. Entre esses objetivos, há o olhar para a “igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas” (ODS de número 5).

Entre as diversas metas estabelecidas pelo ODS 5, há também a atenção para o fortalecimento de “políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero”, ou seja, a relevância da criação de políticas públicas voltadas para as mulheres.

Secretaria Especial de Políticas para Mulheres

No Brasil, em 2003, foi criada a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, fato que inaugurou “um novo momento da história do Brasil no que se refere à formulação, coordenação e articulação de políticas que promovam a igualdade entre mulheres e homens” (I Plano Nacional de Políticas para Mulheres, 2006).

A ministra-chefe na época, Nilcéia Freire, lançou o I Plano Nacional de Políticas para Mulheres, que estabeleceu diretrizes para a criação de políticas públicas de gênero e promoveu a integração das questões de gênero nas políticas interministeriais.

Desde então, foram elaborados mais dois planos, em 2008 e 2013, para expandir e aprofundar as políticas públicas para as mulheres.

Secretaria da Economia Criativa

Nos últimos anos, também surgiram políticas públicas voltadas para a economia criativa.

O termo “indústria criativa” surgiu na Austrália nos anos 1990, com o conceito de Creative Nation, que visava reintegrar o Estado no desenvolvimento cultural.

No Reino Unido, o conceito ganhou destaque quando o Partido Trabalhista incluiu as indústrias criativas em seu manifesto pré-eleitoral, destacando a necessidade de políticas para apoiar esse setor.

Em 2001, o escritor britânico John Howkins usou o termo “economia criativa” em seu livro, aproximando a economia da criatividade.

Em 2004, durante a 10ª Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento (X UNCTAD), em São Paulo, a economia criativa entrou na agenda política internacional de desenvolvimento econômico.

Dessa forma, com o discurso de desenvolvimento econômico e sustentável e a popularização do conceito de economia criativa, muitos países começaram a adotar iniciativas públicas para cumprir essa agenda.

No Brasil, em 2011, o Ministério da Cultura (MinC), sob a gestão de Ana de Hollanda, criou a Secretaria da Economia Criativa, formalizando a economia criativa na agenda de políticas públicas brasileiras.

Em 2011, foi apresentado o Plano da Secretaria da Economia Criativa: políticas, diretrizes e ações (2011-2014), que visava não apenas definir, mas também estabelecer princípios como diversidade cultural, sustentabilidade, inovação e inclusão social para as políticas públicas de economia criativa no país.

O plano incluía a colaboração com vários Ministérios e Secretarias, como a Secretaria de Políticas para Mulheres. O documento deveria servir de referência para o planejamento de políticas públicas em Estados e Municípios, mas o projeto para transformar a economia criativa em um dos temas centrais do MinC não prosseguiu.

Qual é a atual participação feminina na economia criativa?

Ao analisar a trajetória das mulheres e o desenvolvimento da economia criativa, fica claro que unir essas duas áreas pode ser uma forma de promover o empoderamento feminino.

Ter formação e um emprego significativo é crucial para o empoderamento das mulheres. No entanto, os planos e documentos do governo mostram que ainda há pouca conexão entre as políticas para economia criativa e as políticas de apoio às mulheres.

Existem vários obstáculos para uma integração mais eficaz entre essas agendas. Primeiro, ambas são relativamente novas no debate de políticas públicas, e muitas vezes são vistas como políticas de governo e não de Estado, o que dificulta sua continuidade.

Além disso, essas agendas são transdisciplinares e multissetoriais, o que exige colaboração entre diferentes áreas e instituições. O Plano da Secretaria de Economia Criativa brasileiro buscou a horizontalidade, ao promover a participação dos demais Ministérios e Secretarias em sua elaboração.

Entretanto, de forma geral, percebemos que são temáticas ainda em fase de entendimento pelos organismos globais e locais e nos parece terem sido absorvidas dentro do debate público sem muita percepção da real capacidade que apresentam.

Outro desafio é a falta de recursos financeiros para desenvolver políticas e planos de ação tanto para a economia criativa quanto para a igualdade de gênero. No Brasil, a economia criativa, especialmente em relação aos setores culturais, enfrenta um histórico de instabilidade.

Esses obstáculos são complexos, mas é importante reforçar que políticas públicas focadas em gênero e economia criativa podem ter um impacto social positivo significativo.

A economia criativa pode ser uma ferramenta importante para promover a equidade e a inclusão das mulheres, pois já são predominantes em setores como artesanato e moda.

Atualmente, o debate sobre desenvolvimento sustentável está ganhando destaque, tanto com os ODS da ONU quanto com a crescente importância das políticas ESG (Environmental, Social, Governance) no mercado corporativo e financeiro. No entanto, é preciso questionar se esse debate está realmente promovendo uma mudança no nosso modelo de consumo ou apenas oferecendo alternativas para manter o padrão atual.

O texto de Lala Deheinzelin, no Plano da Secretaria de Economia Criativa, destaca a economia criativa – que usa recursos intangíveis e abundantes – como uma alternativa à economia tradicional baseada em recursos naturais limitados, e vê o setor como uma chave para a sustentabilidade. 

Acreditamos que a economia criativa pode ajudar a romper com o modelo de consumo extrativista atual e que um modelo econômico baseado na lógica feminina, voltada para criação e produção, pode ser uma alternativa promissora.

Conheça as iniciativas do Impact Hub para inclusão feminina na economia

Salto São Paulo

O Salto Aceleradora é um programa de educação empreendedora desenvolvido e executado pelo Impact Hub para pequenos negócios.

Em São Paulo, as turmas são exclusivas para negócios liderados por mulheres negras da periferia.

O programa conta com uma jornada de 12 semanas, em que as participantes têm acesso a aulas teóricas e práticas e mentorias individualizadas, com temas como desenvolvimento de sua percepção enquanto empreendedora, mercado, impacto positivo, modelo de negócio, gestão, finanças, marketing e vendas.

Em 2023, foram realizadas duas turmas híbridas (com encontros presenciais e online), resultando em 130 empreendedoras impactadas, com aumento médio de faturamento de R$ 857.

Empreendedoras Tech

O Empreendedoras Tech oferece capacitação online para mulheres que lideram empresas de micro e pequeno porte.

Idealizado pelo MDIC e pelo Sebrae e realizado pela Enap em parceria com o Impact Hub Brasil, o programa está em sua segunda edição e busca fortalecer empresas e projetos com foco em inovações tecnológicas liderados por mulheres.

Proporciona uma experiência completa com mentorias, workshops, treinamento em oratória e pitch, além de um aporte financeiro de até R$ 19.382,86 para cada negócio participante.

 


Por Verena Pereira

Pós-doutora em Políticas Públicas em Economia Criativa. Admiradora dos estudos sobre feminismo, cultura e sociedade. Foi professora universitária e pesquisadora nas áreas de comunicação e negócios. Atua como coordenadora de projetos no Impact Hub São Paulo.

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